quinta-feira, 25 de setembro de 2008

fome

se te boto assim um tempero
uma pimenta, um pouco de sal
te pego e como inteiro

e ainda lambo os labios
os dedos
lambuzados com teus pelos

pode me chamar de canibal



*poema de Christine Azzi,  encontrado na revista 'Egoista'

candi  

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

impermanencia?

se o pescoco nao doesse tanto
passaria a viagem toda
olhando pela janela do outro
pulando de nuvem em nuvem
e, por vezes, deixando-me cair
flutuando em queda livre 
aterrizando em retalhos de terras incertas 

candi

terça-feira, 9 de setembro de 2008

do outro lado da cerca

Em minhas andancas pelo mundo o trem seguidamente surge como uma forma rapida, segura e acessivel de transporte. Gosto de sentar-me a janela. A visao externa ajuda a abrandar a sensacao de enjoo que teima em me acompanhar. Sempre imagino como ‘e a vida das pessoas que moram as margens dos trilhos. A paisagem ‘e mais ou menos como uma porcao de blocos empilhados, muito similares entre si. Ha sempre uma cerca ou muro que divide o caminho do trem e as propriedades, um limite.

Atraves da janela, as imagens passam rapido. O movimento do vagao impede um acompanhamento mais detalhado daquelas rotinas.

Nesta semana estou hospedada na casa de uma amiga. Sua morada fica ao lado da ferrovia. Estou do outro lado do muro e meu sono e minha noite sao permeados pelo som intermitente do atrito entre rodas e trilhos de ferro. Nao ha cortinas na janela. Nao me importo. Quem sou eu para impedir a luz de entrar onde quer que ela deseje?

Durante o dia, quando estou no quarto a me vestir, temo que algum passageiro me veja nua. Essa preocupacao logo desaparece. De dentro do trem ninguem me ve. Eu, pelo menos nunca vi. Sou um fragmento, uma imagem efemera.

Na casa de Maria tem um jardim. Tem amores perfeitos, petunias e grama. Tem amoreiras, girassois e macieiras. Tem mirra e pedras em formato de coracoes. Aqui prepara-se deliciosas refeicoes e ouve-se boa musica. Os amigos se encontram e comemoram aniversarios. Nesta casa o luxo ‘e a consciencia de que o planeta precisa de acoes rapidas para frear sua destruicao. O amor ‘e a maior riqueza. A sede por cultura e conhecimento exsuda dos corpos. Valores intangiveis que nao cabem em cofres.

Perco o sono todas as madrugadas mas a visao do bosque verdejante na parede e da muda florida de alfazema sobre a escrivaninha me transportam de volta aos meus sonhos. Estes, nem conto. Eu mesma nao os entendo. Transsexuais da Transilvania e corpos desmembrados. E um anjo a dormir ao meu lado.

Do lado de ca da cerca, ha um outro mundo, tao bom quanto o meu.

Eunice Splinder*


*amiga querida que tive o prazer de receber uma visita.

Candi



terça-feira, 2 de setembro de 2008

divagações de uma caminhante solitária

Desculpas à mim mesma. Por não saber escutar, por me precipitar, por não falar. Nessa angustiante busca por um sentido num propósito, desvirtuo, muitas vezes, do caminho. Sinto-me só. Esse sentimento que invade não é de todo triste, posto que é realidade inevitável: Nascemos nos tornarmos solitários e, com o passar do tempo, vamos aguçando a consciência dessa solidão. No entanto, solitude ambígua conflitua-se na intimidade do meu eu. Um eu que se esfacela, se fragmenta e tenta juntar pedaços para se reconstruir novamente e novamente.
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A cada dia um novo eu. Às vezes satisfeito, muitas outras atordoado. Aturdido, especialmente, na frustração causada pelo meu reflexo nos outros. O olhar do outro vai fazer com que eu veja a mim mesmo. Porém, entontecido, não me reconheço no espelho que são os outros. E me pergunto afinal, quem é esse eu? Talvez um hiato. O intervalo entre o que penso que sou e o que os outros pensam de mim. Mas se eu, até agora, não consigo concretizar quem sou pra mim mesmo. Como vou confiar na interpretação que faço de mim, nos outros? E mais ainda, como encontrar o espaço existente entre essas duas percepções?
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No entanto, creio que esse reflexo do eu no outro não passa do reflexo da minha aparência. E aparência é imagem ilusória. É projeção da imagem das coisas e não as coisas em si. Cândi tem razão, Sartre equivocou-se, o inferno não está nos outros. Está, sim, dentro de nós mesmos. Eu sou protagonista de minha própria existência. E as coisas que existem, existem para mim diferente do que são para os outros. Não posso reconhecer as minhas obrigações para com os outros senão na medida em que as reconheço para mim mesmo em primeiro lugar. Sigo, então, na incessante busca de meu intento. Numa eterna construção que revela novos sentimentos o tempo todo.
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Assim, descubro uma certeza boa: nesse universo de universos particulares, preocupo-me em melhorar e aceitar. Melhorar minha postura enquanto ente no mundo e aceitar a mudança latente presente em tudo. Numa constante busca em constante transformação.

denise silveira.