quarta-feira, 21 de maio de 2008

africanismo: poiese africana no brasil

Os escravos trazidos da África para o Brasil vieram de várias regiões, correspondentes a diversas tribos e culturas africanas: Sudaneses (Iorubá); Daomeanos (Fon, Ewe, Jeje); Bantos (Angola, Congo, Benguela); e as civilizações Islamizadas (Peuhl, Haussa, Mandinga). O regime escravista imposto pelos colonizadores, provocou certa destruição do sistema social e dos valores do povo africano e as tradições trazidas com os escravos poderiam diminuir de intensidade, com o passar do tempo, até perderem a importância e o significado.

No entanto, vários fatores contribuíram para que isto não ocorresse: A herança religiosa se reavivou continuamente pelo contato com a África, através da memória cultural e afetiva estimulada no comércio de amuletos, fetiches e instrumentos de culto e, também, pelo tráfego de escravos do qual faziam parte feiticeiros, curandeiros e sacerdotes. A incompreensão dos brancos face ao alcance da religiosidade negra e, principalmente, a enorme capacidade de disfarçar a tradição ancestral sob a máscara de um catolicismo típico, popular, permitiu aos escravos a preservação de convicções mágicas e míticas africanas. Os valores e símbolos revigoraram-se enquanto os senhores permitiam a realização de certos ritos, considerados festejos, em dias santos católicos. No descanso dominical, as crenças eram praticadas com afinco. Desse modo, os negros reuniam-se em torno de seus atabaques, batucavam e dançavam. Essa confraternização fortificava a memória cultural e o culto dos Orixás, que a partir de seus rituais na senzala transformaram-se numa nova forma de crença religiosa.


A fé católica era imposta pelos colonizadores. Mas os membros da Igreja e os Senhores permitiam, por vezes, a prática de cantos e costumes particulares de veneração aos negros, como forma de “adaptação” do dogma católico à mentalidade africana. Entretanto, esse “catolicismo negro” era uma forma dissimulada de conservação das relíquias religiosas africanas. A tradução dos nomes dos Orixás pelos nomes de santos católicos (cujas imagens poderiam recordá-los) servia para iludir a Igreja e os Senhores, substituindo, a partir de uma sublimação, as entidades africanas pelos santos católicos.


Entretanto, em contrapartida, as formas religiosas africanas influenciaram em muito o catolicismo popular, lançando suas crenças ao colonizador. O branco passa a procurar o negro para obter poções mágicas que lhe proporcionassem a cura de doenças ou que o protegessem de algum mal desconhecido, por exemplo. A tática de dispersão dos grupos tribais parece ter sido a primeira medida adotada em toda a América para a proteção do Senhor e do Regime Escravocrata - que temiam a possibilidade de revolta entre africanos de mesma origem. Assim, os escravos viam-se propositalmente separados de suas tribos e famílias originais, tendo integrantes de seus grupos familiares desunidos e dispersados por vários pontos do país. Essa ruína comunitária fez com que os negros se voltassem para aquilo que, num meio hostil de opressores e oprimidos, subsistia com força em seu íntimo: os mitos, deuses e ritos. O sagrado, a religião. Criando, desta forma, novas comunidades agora essencialmente religiosas.


Segundo Pierre Verger, antropólogo francês naturalizado brasileiro, a religião africana é diretamente relacionada às questões ligadas à família: "A religião dos Orixás está ligada á noção de família. A família numerosa, originária de um mesmo antepassado, que engloba os vivos e os mortos. O Orixá seria, em princípio, um ancestral divinizado, que, em vida, estabelecera vínculos que lhe garantiam um controle sobre certas forças da natureza, como o trovão, o vento, as águas doces ou salgadas, ou, então, assegurando-lhe a possibilidade de exercer certas atividades como a caça, o trabalho com metais ou, ainda, adquirindo o conhecimento das propriedades das plantas e de sua utilização. O poder, àse, do ancestral-orixá teria, após a sua morte, a faculdade de encarnar-se momentaneamente em um dos seus descendentes durante um fenômeno de possessão por ele provocada." (VERGER)


As divindades e as práticas mágicas que se relacionavam à colheita ou à fertilidade foram diminuindo de importância entre os descendentes africanos no Brasil. Esses afazeres, tarefas e preocupações não tinham sentido por aqui: o homem negro escravo do senhor, não possuía mais controle sobre a sua plantação ou sobre a formação da sua família. Assim, as figuras das divindades da guerra, da justiça e da vingança assumiram maior destaque e significação nos rituais sagrados. Pois tinham mais a ver com as questões que envolvem a escravidão. Era uma maneira de lutar contra a submissão. A resistência dos grupos escravizados possui aspectos de contracultura, no sentido de oposição ao sitema vigente, e tornou-se uma alternativa cultural na tentativa de reconstruir a tribo partindo de uma visão cósmica dos valores míticos e das experiências com o sagrado. Unindo diferentes etnias em um sistema de inter-relações, criando uma estrutura hierarquizada de papéis e vinculando funções sagradas, os cultos Africanistas puderam, em certa medida, substituir a comunidade tribal original.


A religião permitia ao indivíduo negro, privado da solidariedade social, a possibilidade de integrar-se numa estrutura que substituía a tribo e a família, e era relativamente tolerada pelos dominadores. Esta integração, sedimentada ao longo do processo colonial brasileiro, transformou-se através do arrasamento gradativo do sistema patriarcal, culminando na abolição da escravatura.

Referências:
ELIADE, Mircea e COULIANO, Ioan. Dicionário das Religiões. São Paulo: Martin fontes, 1999.
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 2006.
VERGER, Pierre. Orixás. Salvador: Corrupio, 1981.

denise silveira.

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