segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

natalício

Não estar em casa, com meus pais, meu tio e minha irmã, faz-me sentir falta do delicado sabor de nossa ceia de natal. Na verdade, fazem anos que não passo essa data com eles todos. Saudade. Por certo não é somente a cozinha maravilhosa da mãe que me enche o peito de nostalgia. É, também, o intrigante significado que o natal me desperta e que, em companhia de minha família, me acalenta os sentidos.
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Hoje minha sogra lançou-me uma frase: “O jantar será na garagem. Um churrasco com a carne da fazenda que já temos por aqui mesmo. Com tanta gente passando fome, não vamos esbanjar preparando pratos refinados”. Confesso que soltei um suspiro de agonia. Pensei no saboroso bacalhau que a mãe e o tio deveriam estar temperando a essas alturas e pensei, sobretudo, na noite solitária e vazia de muitos.
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Quantas pessoas nesse mundo de Deus não poderão encher suas panças com comida gostosa e trocar presentinhos entre os seus? Quantos seres solitários vagarão pela noite natalina de mãos dadas com a ausência? É irônico e muito triste. Cristo não deve ter previsto que sua figura simples e singela, uma figura de rebeldia aos valores mercantis e imperialistas, que pregava a paz, a igualdade e o amor, se transformaria num gnomo gordo vestido de veludo vermelho ostentando um grande saco-verde cheio de presentes. Nem o pobre Nicolau, que virou Santo para depois virar Noel deveria imaginar que sua imagem um dia se deturparia tanto assim.
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Cristo era judeu. Não sei como judeus comemoram o natal. Nem sei se comemoram. Só sei que acho estranha essa cultura católica tão próxima a mim. Acho paradoxal tamanha ostentação e soberba para uma doutrina que louva um revolucionário que lutou contra a miséria e a humilhação que o Império Romano lançava sobre o povo do Oriente Médio. Que lutava contra a escravidão que o povo hebreu sofria há séculos em meio ao poder de Impérios. Antes, o egípcio.
Romanos caçaram e mataram milhares de cristãos por durante mais de três séculos após a morte de Jesus Cristo. Torturaram e mataram, por exemplo, Jorge da Capadócia, um grande soldado romano que era turco, acreditava no cristianismo e negou-se a perseguir e matar outros ‘cristãos’ como ele sob ordens do governo. Alguns anos depois disto, um imperador romano determinou que o Império necessitava acatar, aceitar uma religião tão popular como o Cristianismo. A fé cristã aumentava e Jorge da acadócia era mártir. necessitavam disto por interesses políticos. E então precisaram divinizar a figura de Cristo desumanizando-o. Precisaram escolher entre as evidências históricas, quais estórias sobre Jesus seriam mais apropriadas para fazerem parte da nova fábula que estavam inventando. Para construírem uma nova Igreja, para angariarem mais fundos e fiéis, para diminuírem os problemas, para aumentarem o Império. Transformaram o artesão revoltado em filho da virgem e o soldado rebelde em Santo.
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E assim vem sendo. Impérios vêm e vão. As culturas se transformam. Povos são subjugados para outros povos ascenderem.
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Que ser estranho esse ser Humano. Tanta discrepância! E, hoje, no século XXI da era cristã, do calendário católico romano a véspera do natal - suposta data do nascimento de Jesus Cristo, homens-bomba explodem shoping-centers em Jerusalém e crianças brasileiras passam fome no país da Amazônia devastada. O que mais? Pego-me pensando: será que um dia as coisas se ajeitam? Será que conseguiremos disseminar conhecimento com maior facilidade e todos terão educação para reivindicarem liberdade, segurança e saúde? para lutarem por um mundo melhor. Será que seremos livres e iguais para escolhermos nossas crenças de forma natural e espontânea? E será que Cristo um dia alcançará um patamar onde ao seu lado estejam Buda, Ghandi, Mandela, Martin Luther king e Che Guevara?
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denise silveira.

2 comentários:

Nina Garimpa disse...

Já eu pude sentir o sabor da ceia familiar, mas sempre com o animal imponente e enfeitado em cima da mesa, pagando de celebração onde tantos outros alimentos simples alimentariam igualmente com enorme sabor, saúde e energia. O mundo está agitado, as pessoas estão apressadas e o silêncio e a meditação de coisas como as que tu pensou e escreveu é o que realmente faz mais sentido. Tudo de bom para você e os seus.

My handshake disse...

Sim, somos seres humanos, mas isso nem sempre somos. Somos capazes de coisas como: matar quem idolatramos, idolatrar quem não sabemos quem é, julgar sem analisar nossas atitudes e comer o presépio no natal. Matar animais para comemorar uma data no qual um boneco inventado é um símbolo arrogante de capitalismo onde a ridícula caridade cristã faz com que as pessoas entreguem presentes para os menos favorecidos apenas para de redimir e conseguir um lugarzinho no céu.