quinta-feira, 29 de maio de 2008

o fotográfico

A fotografia é a consolidação de um olhar. Não somente do olhar do fotógrafo, particular e com sua bagagem de história e de significado, mas também do olhar coletivo, que modela as aspirações de grupos sociais, de uma sociedade ou mesmo de uma civilização num determinado momento. Leva-nos a uma reflexão sobre a história das imagens do mundo que nos cerca, sobre a nossa História. Esse reflexo de realidade, demarcado no tempo e no espaço da imagem, é cumulativo e abre caminho para novos olhares e novas significações. É uma maneira de ver e pensar o mundo.
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Diante de uma imagem, cada sujeito reage de modo diferente. Enquanto, para alguns, a fotografia interessa somente pelo que é como artefato (uma realidade fluindo no tempo), para outros faz perceber significados a serem examinados (uma realidade fruída no tempo). A cada novo ângulo, a cada ponto de vista, sob cada luz, configuram-se novas leituras e interpretações dessa representação do real.
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É importante salientar que toda fotografia, por ser um processo que produz e registra uma imagem à semelhança da realidade, para o olhar humano, é um documento. Por ser, em sua gênese, um processo documental de expressão e representação da realidade, por conter uma fibrilha de tempo, um rasgo de espaço, a fotografia consiste num recorte que é centelha de universo. Porém, essa fotografia-documento está sujeita a modificações em várias de suas estâncias. Tanto por parte do fotógrafo como por parte de outros sujeitos envolvidos na sua produção e no seu trânsito social, vão ocorrer mudanças que variam desde a produção até a recepção.
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O meio configura um importante componente para a caracterização da fotografia. O espaço de veiculação, a natureza e a técnica de reprodução da imagem conformam aspectos determinantes para a sua recepção e interpretação. A forma com que a fotografia é exposta ao observador e a qualidade técnica da cópia determinam certas delimitações interpretativas e valorativas. Fotografias em jornais ou em revistas tendem a receber atenção distinta, e se ocupam espaços maiores ou menores, também. Fotografias em livros, pesquisas científicas e exposições tendem ao status de ocupar maior espaço no imaginário social.
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O observador, que é receptor de uma mensagem fotográfica, também contribui para a formação da imagem. Suas condições intelectuais e afetivas aliadas a bagagem pessoal e ao repertório cultural possibilitam uma percepção mais aprofundanada ou não do conteúdo de uma imagem. A partir de alguns pontos de vista citados até então, encontro uma definição polissêmica do elemento fotográfico: A obra fotográfica seria a criação do testemunho da fração de realidade que um ato fotográfico comporta. Contém limites informativos e, por sua vez, interpretativos. Mas também, suporta desdobramentos documentais e analíticos.
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Há uma espécie de “esticamento”, maleabilidade e flexibilidade. Deste modo, a fotografia se encontra sob a luz de inúmeras mediações. Ela é ambígua e, ao mesmo tempo, denota direcionamentos informacionais. Reúne mensagens pré e pós-estabelecidas e permite variações interpretativas, conotando, deste modo, relações comunicacionais.
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Podemos trabalhar o valor informacional, como o espaço apresentado pelas fotografias documentais de um agrupamento de elementos de informação técnica e estética delimitados pelo plano da imagem. Valor informacional como o conjunto de informações sobre o mundo e coisas do mundo que a foto comporta como documento: questões de ordem informativa que dizem respeito aos aspectos da composição, das cores, das linhas, da luz, do movimento, da ação e do registro histórico. E, valor comunicacional, como a ‘conversação’ (o diálogo) que a fotografia produz. A articulação de idéias e analogias que ela proporciona numa relação dialética, no nível semântico e da sintaxe visual. Valor comunicacional como resultado da fruição: como o movimento de articulações, ligações e relações que o sujeito estabelece ao fruir uma fotografia.
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O leitor de uma obra seria um co-autor, pois a partir de sua interpretação, daria fechamentos possíveis sobretudo a partir de sua subjetividade, de seu repertório e de sua bagagem, respeitando certa coerência à mensagem imposta na obra. O observador recriaria a obra artística, em seus possíveis contatos com ela e, tomaria contato com um “algo mais” ausente na própria obra.
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A fotografia seria uma obra aberta no sentido de existir enquanto observada e de transmitir informações àqueles que se dispõem a fruir e interpretar uma imagem. Uma obra aberta no sentido de abrir inúmeras possibilidades de leitura e significação. Estamos falando de um conjunto de informações técnicas, cognitivas e emocionais que permeiam a existência da imagem fotográfica e sua interpretação. A fotografia pode ser encarada como uma construção do fotógrafo, que significará uma obra a ser lida, interpretada e decifrada por um observador, o qual será entendido como co-construtor e co-autor desta fotografia.
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Entende-se uma obra como a existência de um signo submetido a diversas interpretações: não há “interpretante que, ao confrontar o signo que interpreta, não modifique, mesmo que só um pouco, seus limites". A partir de então, será necessário tornar relevante, a compreensão do conceito de limites da interpretação, limites que seriam estruturas a estimular e regular a interpretação de uma obra. O leitor, o observador, manteria uma relação dialética com o autor e seria um participante na construção de sentidos.
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Tomemos, então, a informação como um sentido unívoco de uma fonte a um receptor E a comunicação, como um sentido biunívoco, permitindo um diálogo, uma troca. A comunicação como meio de ligação entre o autor e o receptor. Se tomarmos a informação como categoria, ela seria a mensagem de uma fonte a um receptor. Já a comunicação seria a conseqüência dessa mensagem informativa. Cada indivíduo interpretará e significará a mensagem fotográfica de modo diverso, dependendo de sua carga de bagagem pessoal e de seu repertório cultural (formando, assim, uma ‘comunicação fotográfica’). Esta comunicação (o valor comunicacional da fotografia) seria o resultado de uma interpretação.
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Para examinar os elementos informacionais e para achar o valor comunicacional de certas fotografias, podemos adotar a abordagem da foto como mensagem: Imagem carregada de informações que, ao observada, cria uma relação dialógica entre autor e espectador, transmitindo uma mensagem. Uma negociação silenciosa.
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Fotografias, de modo geral, possuem conteúdo científico e conteúdo estético. A reação do espectador a estes conteúdos é uma relação comunicacional, pois causa uma operação pela qual o contato com a imagem acarreta certa modificação (reação) do indivíduo dando origem a novas sensações e novos conhecimentos. Transformações decorrentes do estranhamento, do choque, ou da empatia por uma imagem.
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O fotógrafo não controla as reações da leitura de suas fotografias. Mesmo que tenha certas intenções de suscitar determinadas reações, pode causar outras, como o riso, a compaixão, o sofrimento, a raiva, a melancolia ou a tristeza, e até mesmo, porque não, paixões e êxtases.
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Comunicacionalmente, as informações contidas em uma fotografia transmitem uma idéia, um conceito e um olhar sobre a realidade. Trabalha-se com a perspectiva de que as imagens representam parte da realidade de um determinado momento. O olhar 'treinado' do fotógrafo capta cenas que possam ser relevantes à expressão das características de uma cultura, de um momento ou um fato e assim expressa também certas características do próprio fotógrafo e do período histórico e contexto social em que as fotos foram realizadas. Porém, essa transmissão das informações e o retorno comunicacional que elas ocasionam passam por certas mediações. Mediações que seriam filtros compostos pela bagagem pessoal, pelo repertório cultural do observador.
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Tratar-se-ia então de flagrar justamente a recepção, aquilo que as pessoas fazem dos conteúdos que recebem. Perceber os múltiplos modos de interação com os meios. Nesta interação, as culturas populares são elementos importantes de configuração. Ninguém se expõe nu aos meios, como se fosse uma página em branco. Todos vêem e interpretam a partir dos parâmetros culturais nos quais foram criados. Trata-se de pensar a comunicação a partir da cultura.
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As mediações são nada mais do que os filtros culturais, sociais, políticos e religiosos. São parâmetros, um repertório de onde se dão adequações e negociações dos sentidos. As mediações seriam encontradas então na temporalidade social, no cotidiano familiar, no conhecimento cultural e na posição política do indivíduo.
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Como meio de expressão individual e instrumento de conhecimento das diversidades do mundo, a fotografia possui também uma dualidade: a de criação e testemunho. A natureza polissêmica do fotográfico permite várias leituras, dependendo de quem a aprecia, pois o receptor já tem suas próprias “imagens mentais pré-concebidas” sobre determinados assuntos. Estas imagens mentais estão presentes em cada um de e funcionam como filtros (ideológicos, culturais, morais, éticos e estéticos) que interagem entre si e atuam no receptor, com maior ou menor intensidade O comportamento de cada um, o sentimento de percepção, emoção, afinidade ou rejeição diante de uma imagem, depende do repertório que o receptor possui. Uma fotografia, ou um conjunto de fotografias, não representam uma realidade passada e sim congelam nos limites do plano da imagem uma parcela do real.
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Fotografar é um processo classificatório que privilegia uma cena ou um detalhe, pressupondo uma escolha e uma intenção que se materializa no resultado. Os valores da fotografia perpassam o estético e o científico. São valores que não deixam de se complementar e entrecruzar. E contribuem para a composição dos olhares que formam uma fotografia. Olhares do autor e do observador que dialogam entre si.



Referências: Eco, Barthes, Kossoy, Flusser, Dubois, Bazin, Martín-Barbero


denise silveira.

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