terça-feira, 9 de setembro de 2008

do outro lado da cerca

Em minhas andancas pelo mundo o trem seguidamente surge como uma forma rapida, segura e acessivel de transporte. Gosto de sentar-me a janela. A visao externa ajuda a abrandar a sensacao de enjoo que teima em me acompanhar. Sempre imagino como ‘e a vida das pessoas que moram as margens dos trilhos. A paisagem ‘e mais ou menos como uma porcao de blocos empilhados, muito similares entre si. Ha sempre uma cerca ou muro que divide o caminho do trem e as propriedades, um limite.

Atraves da janela, as imagens passam rapido. O movimento do vagao impede um acompanhamento mais detalhado daquelas rotinas.

Nesta semana estou hospedada na casa de uma amiga. Sua morada fica ao lado da ferrovia. Estou do outro lado do muro e meu sono e minha noite sao permeados pelo som intermitente do atrito entre rodas e trilhos de ferro. Nao ha cortinas na janela. Nao me importo. Quem sou eu para impedir a luz de entrar onde quer que ela deseje?

Durante o dia, quando estou no quarto a me vestir, temo que algum passageiro me veja nua. Essa preocupacao logo desaparece. De dentro do trem ninguem me ve. Eu, pelo menos nunca vi. Sou um fragmento, uma imagem efemera.

Na casa de Maria tem um jardim. Tem amores perfeitos, petunias e grama. Tem amoreiras, girassois e macieiras. Tem mirra e pedras em formato de coracoes. Aqui prepara-se deliciosas refeicoes e ouve-se boa musica. Os amigos se encontram e comemoram aniversarios. Nesta casa o luxo ‘e a consciencia de que o planeta precisa de acoes rapidas para frear sua destruicao. O amor ‘e a maior riqueza. A sede por cultura e conhecimento exsuda dos corpos. Valores intangiveis que nao cabem em cofres.

Perco o sono todas as madrugadas mas a visao do bosque verdejante na parede e da muda florida de alfazema sobre a escrivaninha me transportam de volta aos meus sonhos. Estes, nem conto. Eu mesma nao os entendo. Transsexuais da Transilvania e corpos desmembrados. E um anjo a dormir ao meu lado.

Do lado de ca da cerca, ha um outro mundo, tao bom quanto o meu.

Eunice Splinder*


*amiga querida que tive o prazer de receber uma visita.

Candi



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